terça-feira, março 28, 2006

Jeitinho brasileiro e referenciais



Quem conhece Salvador sabe das ruas estreitas que compõem o centro antigo da cidade. E a dificuldade para se estacionar nestas ruas é grande. No sábado último fui à faculdade e realmente estava muito difícil estacionar pelas redondezas. Até que, um tanto distante, vi um senhor dirigindo-se a um carro estacionado. Liguei a seta e dei a distância para que o homem pudesse manobrar o carro e sair. Foi um alívio conseguir aquela vaga, pois estava quase atrasado.

Acontece que outro motorista, ao ver o senhor entrando no carro estacionado, não pensou duas vezes: ultrapassou e posicionou seu veículo na frente do meu e ligou a seta.
Quase não acreditei na cara-de-pau do sujeito e dei sinais de farol para ao menos lembrá-lo de que eu estava ali. Dei sinal, fiz gestos com as mãos... o motorista continuava impávido e ainda teve a coragem de apontar que sim, iria estacionar ali mesmo.

O “flanelinha” daquela rua (regularizado pela prefeitura) olhou assim meio atravessado para o carro da frente e balançou a cabeça negativamente. Por fim, o outro carro liberou a vaga. E o sujeito estacionou. Se ele pensava que eu iria embora, deu-se mal: parei exatamente ao lado e buzinei. O sujeito, então, desceu do carro e veio falar comigo. E começou seu lenga-lenga:

- Não, tudo bem, eu vou sair, arrumar confusão por uma vaga?, disse com aquele ar típico de deboche e cinismo.
- Não é pela vaga – argumentei calmamente- e sim pela falta de respeito, pois já estava aqui antes e sinalizando.

Discutimos ali um pouco e ele finalmente saiu sem antes tecer palavras carinhosas a senhora minha mãe. E estacionei o carro e saí correndo para a aula.
Qual não foi meu espanto, em pleno corredor da faculdade, quando me deparo com quem? Com o sujeito do carro. Seguia em direção ao prédio onde eram ministrados os cursos de pós-graduação de... gestão pública!

*** ***
Fiquei um tempão pensando no fato. E por coincidência um dia antes, na sexta-feira, li um texto atribuído a João Ubaldo Ribeiro o qual, sintetizando, dizia que não adiantava crer num próximo presidente se o povo não mudasse a atitude – o jeito “esperto” do brasileiro, de querer levar vantagem em tudo, de ser “o cara”, enfim.

Um sujeito como este do caso do estacionamento não é isolado. Existem centenas, milhares como ele no Brasil. O que me causou preocupação foi o fato de ser uma pessoa que faz especialização em gestão pública. O que esperar de uma pessoa que não preza pela ética no seu cotidiano? Se ele quer levar vantagem à vista de todos, o que não fará quando estiver, quem sabe, administrando algum patrimônio público?

É mais ou menos como pessoas que vão às Igrejas. Vocês já viram quantas e quantas pessoas lotam catedrais, igrejas, templos? Não seria ótimo se as pessoas colocassem em prática os ideais cristãos que ouvem dos padres, pastores, ministros de fé? Claro, sempre há padres e pastores que não são bem o que chamaríamos de cristãos...

Neste país tem muito discurso, muito “lenga-lenga”, muito texto escrito sobre ética e cidadania, mas na prática pouco se vê. Inclusive de quem deveria ser referencial. Representantes públicos que eleitos pelo povo nada fazem além de discursos recheados de pura demagogia. O que vale é a imagem. Posar de bom moço. Ou uma cidade linda e maravilhosa. Ou abrir a boca e arrotar títulos acadêmicos, coisa que a classe mérdia deste país tanto aprecia, ostentar títulos de merda que servem apenas para alcançar condição salarial para comprar os brinquedos que VEJA anuncia – e os valores éticos que se danem!

Só vamos mudar quando começarmos a repensar atitudes. Fazer massa crítica de verdade. Precisamos de bons referenciais – que não precisam ser necessariamente políticos, cantores, artistas, jogadores, apresentadores. Que tal desarmar-se primeiro de certos vícios e palavras rudes para com o vizinho, por exemplo?

FALANDO EM REFERENCIAIS...

Falando em referenciais, no último domingo, no Esporte Espetacular da Rede Globo foi exibida matéria sobre uma escola no estado do Espírito Santo onde as crianças renderam várias homenagens ao Ronaldo, atacante do Real Madrid e seleção brasileira.

As crianças fizeram bandeiras, faixas, assinaram uma bola de futebol que deverá ser entregue ao jogador e até cantaram uma música composta especialmente para o craque. Não sei se o jogador ajuda aquela instituição de ensino financeiramente, mas de toda forma foi uma bonita homenagem, sem dúvida, ainda mais vinda de crianças.

Mas o encanto foi embora: durante o intervalo comercial, fui zapeando o controle remoto e vejo o mesmo Ronaldo, tão amado e homenageado por crianças, estrelando um comercial de cerveja.

Uma bebida alcoólica que como tantas outras destrói lares, eleva índices de violência e acidentes de trânsito. Anunciada por um ídolo nacional que é referência de sucesso para milhares de crianças e adolescentes – que começam a beber cada vez mais cedo. Será largamente consumida durante a Copa do Mundo, mais do que o normal, sob as bênçãos do “fenômeno”, que surge em todos os canais de TV e cartazes em bares recomendando tal cerveja.
Como dizia a Margarida, de Fausto, obra imortal de Goethe: “Tudo gira em torno do ouro...pobres que somos!”

Jaime Guimarães, que bebe, sim, sua cerveja, mas leva ao pé da letra o “moderadamente” e sabe, por experiência própria que “álcool e direção não se misturam”.


CAMPANHA MASSA CRÍTICA DE CONSCIENTIZAÇÃO POLÍTICA

















PAÍS DE CORRUPTOS

Lendo o texto acima do meu parceiro-partner não consegui resistir a escrever umas mal digitadas linhas também....à procura, quem sabe, de um complemento, de uma outra faceta da mesma questão. Com a devida licença, portanto, aí vai minha pequena contribuição:

Foi divulgada ontem mesmo uma pesquisa IBOPE....não, essa não é para presidente da República. O Instituto quis saber dos brasileiros se havia tolerância para algumas condutas de agentes públicos, digamos, mais para o lado dos pecadilhos, dos desvios....ou, com todas as letras, da corrupção !

Pois bem! O resultado é assustador: 69% dos pesquisados admitiram que cometeram algum ato de corrupção e 75% dos pesquisados admitem que praticariam, caso estivessem no “Pudê”, ao menos uma das treze condutas catalogadas como corruptas !!!

Isso me leva à conclusão, insofismável, de que nossos políticos são corruptos porque nossa sociedade é corrupta (não há análise comparativa desses dados com outros países, mas posso imaginar que devemos estar situados no mesmo nível das nações emergentes ou até das nações ditas desenvolvidas).

Significa mais: que se a maioria estivesse no plenário da Câmara, também dançaria a Dança da Pizza....se a maioria estivesse à frente da Caixa Econômica Federal, daria uma bisbilhotada no extrato do caseiro...se a maioria estivesse nos Gabinetes ou Tribunais, acabaria contratando algum parente excepcionalmente indicado e capacitado para algum cargo vago.

Então eu concluo: o organismo são, no Brasil, é o corrupto; o organismo doente é o não corrupto.

Só nos resta tentar disseminar nossa doença por aí....como metástases!

Daniel Bykoff, é co-responsável por esse Blog e tenta fazer Massa Crítica, à sua maneira.

terça-feira, março 21, 2006

Sobre Falcão e os vários Falcões














Welcome to the jungle
It gets worse here everyday
Ya learn to live like an animal
Guns n’ Roses


O assunto recorrente neste início de semana nas cidades foi o documentário “Falcão” exibido pelo Fantástico, da Rede Globo. As pessoas comentam um tanto surpresas, um tanto indignadas, que o Rio de Janeiro chegou a uma situação que “não tem mais jeito”.

Primeiro, ledo engano: Esta situação não ocorre apenas no Rio de Janeiro. Acontece no Brasil inteiro. Não é apenas a segurança, a educação, o Estado do Rio de Janeiro que estão falidos: há uma falência nacional de valores, referências e perspectivas.

O que abordarei neste post tem relação com perspectivas de vida. Portanto, peço paciência aos eventuais dois ou três leitores que lêem estas mal-digitadas linhas e desde já agradeço por terem chegado até aqui.



PERSPECTIVAS

Vamos direto ao ponto: qual o modelo de ascensão social almejado pelo brasileiro, hoje? São os padrões de sucesso veiculados pela TV: Pagodeiro, modelo, jogador de futebol, big brother.

As considerações sobre educação neste post referem-se principalmente a escola pública, por ser elemento estratégico na construção de um novo país comprometido com ideais de desenvolvimento – não apenas econômico, mas social, cultural e político. Escola é política. Educação é política.

Quem assistiu ao filme “Cidade de Deus” certamente não surpreendeu-se tanto com o documentário exibido pela Rede Globo. Está tudo ali: a banalização de vida e morte, as crianças sem infância, os verdadeiros referenciais dos morros e favelas brasileiras (o fato de ser no Rio de Janeiro não a torna detentora do título de ‘capital do tráfico e bandidagem’, como alguns já apelidaram a ainda cidade maravilhosa).

Dentre dezenas de comentários que ouvi e li nestes dias, todos foram unânimes em apontar a educação como talvez a mola mestra para um futuro diferente para aquelas crianças e jovens. Há até quem aponte a educação como a salvação da pátria.

Educação é dever do estado, da família e da escola. Acontece que esse dever vem sendo cumprido, na maioria das vezes, apenas pela escola. O estado eximiu-se da responsabilidade há tempos ( basta ver a abundância de escolas particulares e faculdades espalhadas por aí); A família, quando existe na vida destas crianças e jovens, está muito ocupada para pensar em escola e o que o filho anda fazendo por lá. Sou professor também de escola pública e sei do que estou falando: basta marcar uma reunião de pais e poucos, pouquíssimos aparecem. Há diretores que se dispõem a marcar reuniões aos domingos. Sem sucesso.

Já começa por aí: falta de comprometimento das partes responsáveis pela educação. A própria escola falha em muitos aspectos, mas é quem carrega sozinha esta responsabilidade. E com parcos recursos.

Segundo ponto: vamos supor que algum governo invista em educação, equipando e reformando escolas, promovendo cursos de formação contínua aos professores, pagando salários dignos, reorganizando currículos... e que os pais participem ativamente da educação dos filhos. Seria ideal? Seria essa, enfim, a solução para a falência geral do Brasil?

Seria um avanço significativo, sem dúvida, mas falta muita coisa. Por que os falcões espalhados pelas cidades de Deus brasileiras entram neste círculo de morte tão banal entre eles?

Porque a única saída, a única perspectiva que eles tem é justamente essa oferecida pelo tráfico. É muito fácil para quem está de fora apontar as saídas mais simplistas como “vai quem quer” ou “ não aproveita as oportunidades da vida”. A escola é defasada em seu próprio currículo ( nem por culpa da escola, mas do sistema promovido por homens e mulheres em salas de ar condicionado sem nenhum contato com as reais necessidades brasileiras) e falar em vestibular nestas comunidades, por exemplo, é batalha quase perdida.
Quem quer e tem a perspectiva real de ser médico, advogado, arquiteto é o jovem de classe média, muitas vezes com o referencial familiar.

Trabalho com diversas pessoas...com bandidos da pesada, com jovens revoltados, com meninas que já sofreram todos os tipos de abuso imaginários, com jovens esperançosos... tenho alunos de todos os tipos. Poderia enumerar aqui várias histórias que vi e já ouvi e certamente seria chamado de mentiroso. Mas vou apenas descrever uma atividade que fiz no começo do ano letivo em uma sala de 1º ano do ensino médio em uma escola pública da periferia.

Era apenas um teste diagnóstico de língua inglesa, para saber de que ponto deveria começar com eles ( geralmente é com o verbo to be, mesmo...). Esta é a primeira fase – logo, vem a segunda, com perguntas pessoais. Pergunto sobre o tipo de música que eles mais gostam ( pagode, disparado), se gosta de assistir filmes legendados ou dublados ( muitos não sabem a diferença), o que gostam de fazer no final de semana ( assistir TV foi a resposta mais freqüente).

No final, faço a seguinte pergunta, até para conhecer o perfil do meu aluno: O que você fez de marcante nestas férias?

A maioria das respostas: “Nada”. “Não fiz nada marcante”. Duas respostas chamaram a atenção (como foram escritas):


Professor, não posso ter férias porque minha mãe preçisa que eu ajude ela a compra comida”.
Fui no enterro do meu irmão que foi asasinado sinto falta dele”.

Para quem acha que tudo isso não faz parte de “sua” realidade, basta olhar para o lado.


Jaime Guimarães, também conhecido como Ministro Veiga ou Groo é professor, mas dispensa o título de "salvador da pátria".

terça-feira, março 14, 2006

POEMINHA INSTANTÂNEO


Fazer sentido,
ecoar.
Gritar mais alto,
sussurrar.
Repetir e publicar
...e acreditar...

Quanto mais
repito,
reverbero,
replico...
mais percebo que
o grito e
o sussurro
levam ao mesmo lugar!

Porque não está na forma...
na prosa ou
na poesia;

Não está na arma...
na luta ou
resistência;
Não está na ciência...
na coragem
ou ignorância.

Mas na essência,
nossa trilha - destino e missão -
querer saber
onde ir
e como chegar...

Desculpem a pretensão. Mas como hoje, 14 de março, é o dia da poesia, procurei homenagear poetas e apreciadores de boa poesia.

Mas fiz questão de postar algo meu....por pior que tenha sido (e olha que foi ruim mesmo, desculpem!), caso contrário a homenagem não seria completa. Por mais paradoxal que possa parecer, somente escrevendo tão mal é que nos damos conta do valor dos verdadeiros poetas ! Como é duro !!! Perdoe Neruda...cuja figura ilustra essa postagem !

VIVA A POESIA !

E agora com quem dela entende, um trecho de “Sólo le pido a Dios”, de Leon Gieco, que bem sintetiza minha vontade de não passar batido e que explica essa urgência de fazer MASSA CRÍTICA:

“Sólo le pido a Dios
que el dolor no me sea indiferente,
que la reseca muerte no me encuentre
vacio y solo sin haber hecho lo suficiente.”

Daniel Bykoff, amante de boa poesia, de boa literatura, de boa dramaturgia, mas que aprecia muito mais um bom papo....

domingo, março 05, 2006

PACHA MAMA



Passado mais um carnaval - e sãos e salvos (ao menos os que podem ler este texto) - vamos seguindo em frente nessa aventura que é estar vivo, fazendo massa crítica.

Outro dia li em um Blog de um amigo (o Canis Familiaris) uma crítica de uma leitora ao fato de que o texto criticado continha “opiniões próprias”, com excesso de enfoque pessoal.

Peço perdão aos leitores, antecipadamente, pela minha incompetência em escrever o que quer que seja isento de opiniões próprias, ok !? Quem sabe eu consiga evitar esse tipo de crítica....

A discussão que proponho hoje, ainda que de forma superficial (dado o meu despreparo para uma abordagem mais sólida), é a recaída da Humanidade no tratamento ao feminino. Parece-me que uma espécie de atavismo tomou conta da questão (e voltamos às épocas mais negras de nossa história), justamente quando o grande salto da “igualdade” já se aproximava ou parecia se aproximar.

Não vou sequer abordar a questão do feminino na África, que é vergonhosa e que parece não ter saída. Violações maritais não são consideradas crimes, incestos são prática corrente, estupros em tempos de paz e em tempos de guerra são comuns, etc....Em alguns países, chega-se ao absurdo de que a prova do estupro deve ser feita com 4 testemunhas....se a queixosa não conseguir produzi-la, será condenada por adultério (se for casada), ou por fornicação (se for solteira)...um processo mais do que kafkiano....bizarro!

O que me fez escrever sobre isso foram os últimos sinais que recolhi, aqui e ali: 1) ao lado da crescente ocupação de mulheres em cargos de importância, agravou-se o desemprego para elas (as proporções têm aumentado consideravelmente, em relação ao desemeprego masculino); 2) a Suprema Corte Italiana relativizou a ocorrência de estupro se a mulher tiver experiência sexual anterior (quase um estupra mas não mata, de um famoso personagem tupiniquim!!!); 3) relatos de casos, pelos Médicos Sem Fronteiras, de violações, escravidão sexual, casamentos forçados e precoces na Europa, e fora dos grupos de “negros” e “latinos”; 4) bolsões americanos onde a relação incestuosa é regra.....

Enfim, um verdadeiro contra-ataque! Inconsciente ou premeditado ? Não importa.....mas algo precisa ser feito em sentido contrário, e isso é urgente !

Temos que escrever a respeito, discutir, propor reflexões, opinar, interferir.....na nossa casa, no nosso trabalho, na nossa escola....nos Blogs e Flogs da vida....

Enfim, começar a encarar essa questão sem as resistências culturais que nos foram impingidas, e sem a pseudo-justificativa de que “isso não existe”, é folclore !!!

Não há equilíbrio sem o feminino, ou com supremacia do masculino....

Pacha Mama está doente !!!!

Mãos à obra !

Daniel Bykoff, é co-responsável por este Blog e vê, com muita preocupação, a banalização da violência contra a mulher.