segunda-feira, maio 15, 2006

KOYAANISQATSI




Bobagens 1 – São Paulo do Brasil

Neste momento em que o estado de São Paulo encontra-se no completo caos por conta de ações criminosas do grupo conhecido como PCC – Primeiro Comando da Capital, muitas opiniões pipocam aqui e ali nos meios de comunicação, seja na TV, nas emissoras de rádio, Internet, jornais. O assunto em qualquer esquina brasileira também não é outro senão a violência em São Paulo.

É preciso ter muito cuidado com o que se diz neste momento. Claro que há correntes de todos os tipos, desde as mais sensatas às mais radicais. E muita bobagem, também. Em Salvador mesmo não raramente ouve-se um “aqui não tem dessas coisas”. Mas há três semanas um grupo de policiais chacinou uma família na periferia de Salvador, vendida para o país como “terra de paz e de gente boa e tranqüila”; No Espírito Santo uma execução de um casal transmitida via celular para que o traficante, preso, pudesse certificar-se da ordem sendo cumprida.

São Paulo foi o estopim de um sistema injusto e cruel, que enfatiza a necessidade de ter, de consumir, de sucesso a qualquer custo. O que acontece na sociedade brasileira é muito sério. Cada vez mais o consumo torna-se imperativo e para isso as estratégias de marketing são cada vez mais eficientes e as imagens frenéticas transmitidas pela TV (principal meio de informação do brasileiro, presente em 92% dos lares deste país) realmente são muito sedutoras; Os referenciais brasileiros de sucesso não tem nenhuma relação com estudo e cultura – pagodeiros, cantoras de axé, jogadores de futebol, modelos de Big Brother, enfim, estes são os ídolos da galera, sem falar, é claro, dos traficantes que ostentam poder e respeito nas periferias.

Some este apelo consumista à permissividade e à democracia de direitos e “denuncismo” que existe atualmente no país. Hoje se pode tudo e como quiser, afinal vivemos numa sociedade cheia de “direitos” (inclusive “direitos humanos”) e poucos deveres. Tudo é motivo para “denúncia” em programas de rádio e TV. Tudo mesmo. Até as dívidas que o sujeito contraiu no cartão de crédito cujos juros estão previstos no contrato que ele não leu e resolveu parcelar tudo por aí em 24 vezes. Não há mais distinção entre público e privado: as pessoas acham que tudo é culpa e responsabilidade do governo (meu muro caiu! Cadê as “otoridade”??) e o espaço público é tratado como se fosse privativo de uma pessoa ou de um grupo específico.

Com todos estes ingredientes, tempere com a ineficiência do estado privatizado (educação privatizada, saúde privatizada, segurança privatizada) ao fracasso das políticas públicas voltadas ao social. E termine com uma gama de políticos gananciosos e corruptos a serviço dos interesses daqueles que financiaram suas campanhas milionárias. O Brasil não tem perspectivas a médio e a longo prazo – e isso reflete principalmente nos jovens sem esperança alguma no futuro; O Brasil não tem um plano de desenvolvimento social – pelo contrário, mantém uma política de assistencialismo que valerá a reeleição do atual presidente nas camadas populares; O Brasil é incapaz de valorizar a educação como base – como base, não como solução, entendam. Aliás, uma escola que tenha teatro, oficina teatral, piscina, laboratórios de informática e ciências e cursos de formação permanente para professores é considerada de “alto custo”. Preferem manter a coisa como está: a verba repassada para a merenda escolar gira em torno de R$ 0,15 por aluno; Um aluno custa ao estado algo em torno de R$ 300; E um presidiário custa em torno de R$ 600. E com todas as regalias que uma rebelião proporciona.

Portanto, antes de pensar em Rota na rua, pena de morte, fuzilamento de presidiários, mais e mais presídios de segurança máxima, volta do Maluf, volta dos generais, impeachment do presidente, estado de sítio, exército nas ruas, guerra declarada ao PCC, isolamento de São Paulo, policiais com licença para matar, é preciso refletir e aplicar as receitas que todos conhecem e que foram destacadas acima. Ou o Brasil toma um rumo e começa a plantar sementes para colher bons frutos a longo, longuíssimo prazo (com todos fazendo sua parte – exercendo, sim, sua cidadania plena, e não apenas a cidadania dos direitos; com os representantes políticos deste país tomando vergonha na cara e comprometidos com o público e não com interesses particulares) ou situações como essa que acontece em São Paulo infelizmente irão se repetir outras vezes e em outros estados e cidades.

Bobagens 2 – Os “govermentes” (governos + dementes)

De todas as bobagens que ouvi e li nos últimos dias (contando com este pretenso artigo escrito acima), destaco as manifestações do “governador” de São Paulo, Cláudio Lembo (que a BBC chamou de Cláudio Limbo, num engano bem apropriado) e do “presidente” Lula.

O governador afirmou que a situação em São Paulo estava “sob controle”. Só faltou dizer quem estava no controle.

Já o presidente voltou ao tempo de ativista de esquerda e disse que o problema do Brasil é que não há investimento na área social. Psiu! Luís Ináciooo... psiu! VOCÊ É O PRESIDENTE do Brasil, é você quem decide o rumo político do país, que direção o país vai tomar: ou dos interesses do mercado ou dos interesses básicos do brasileiro (aquelas besteirinhas como educação, saúde, bem-estar). Infelizmente, o presidente da República curvou-se ao mercado e aos banqueiros.

O Brasil não precisa de covardia e manipulações. Precisa de coragem e transparência.

Bobagens 3 – O Haiti não é aqui ?

Ouvi algumas críticas de estudiosos da violência, radicados no Rio de Janeiro, de que os estudiosos da violência de São Paulo subestimaram os ingredientes para a eclosão desse ataque, e acharam que a violência detectada no Rio de Janeiro não encontraria similar em São Paulo.

Uma discussão tão inútil, a essa altura, quanto discutir se o Haiti é aqui ou não é aqui. Encontrar soluções, hoje, é muito mais importante do que encontrar os culpados...e imaginar que a culpa está com os estudiosos que minimizaram a possibilidade de que os ataques pudessem acontecer por aqui, é, no mínimo, um imenso erro de enfoque.

A essa altura, a sensação que se colhe nas ruas (abstraídos os desvios naturais de eventos como esse, já enfatizados pelo Jaime nos textos acima), é de que pouco importa como isso aconteceu....mas queremos nossa vida dentro da Matrix, tal como ela era antes.

E, leitores e amigos deste Blog, não se enganem: o sentimento médio quer que alguém resolva, porque isso é alguma coisa que alguém criou !!! Não sua culpa.

O Haiti, portanto, pode ser em qualquer lugar....Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Paraná oi Haiti...não importa: basta a mistura explosiva de incompetência das autoridades com falta de esperança da população, temperadas com o alheamento natural a um povo aculturado.

Bobagens 4 – No way out

E como se sai desse imbróglio em que se meteu a sociedade brasileira ? Ah...tá certo...a culpa é do celular !!!! Mas, peralá! Celular é veículo, é meio de comunicação....entre a maldade de dentro dos presídios e a maldade de fora.

Falam tranqüilamente do “serzinho” despido de alma (o celular), mas não querem saber de quem fala, de quem ouve, de quem botou o bichinho pra dentro dos presídios ?

Já vivemos uma situação non sense há bem pouco tempo: a campanha pelo desarmamento. A culpa era das armas....agora quem sabe venha uma campanha pelo desapossamento do celular !!!

O que tento dizer com essa argumentação absurda, é que enquanto não focarmos decentemente as pessoas, a sociedade doente, a estrutura podre de poder, o sistema de governo e, principalmente, a educação desse povo, jamais sairemos de crises cíclicas criadas por delinqüentes nacionais ou estrangeiros.

E eu que pensei que seríamos invadidos pela Bolívia, vejo que a falta de gás é o menor dos problemas!!!

Falta-nos humanidade ! Onde foi mesmo que a perdemos ?

Jaime Guimarães, co-editor....Bobagens 1 e 2 e a ilustração
Daniel Bykoff, co-editor....Bobagens 3 e 4