domingo, outubro 16, 2005

TAMIFLU

Viver em apartamentos deixou de ser sinônimo de segurança. Afastar-se de grandes centros, viver a vida mais simples, expor-se menos aos riscos epidêmicos fez com que Paulo, Márcia e sua filhinha de 5 anos mudassem completamente sua vida.

Com as economias que possuíam, mais a venda do apartamento num grande centro urbano, eles decidiram alugar uma casa numa bucólica e pacata cidade do interior paulista.

A gripe aviária já havia sido localizada na Colômbia e, se até o Presidente da República já havia identificado o perigo que isso representava, estava claro para a família que a coisa era séria mesmo. É que ele, o presidente, não sabia de nada a respeito do enriquecimento do filho, dos mensalões dos amigos, da manipulação e aparelhamento do Estado para a eternização no poder, da atuação de seu irmão mais velho, e, se conseguia agora enxergar essa ameaça, é porque ela era mesmo iminente.

Paulo percorreu algumas farmácias à procura do “Tamiflu”, sempre confundido pelos farmacêutucos com o “tamu fú”, o que não deixa de ser um outro significado possível para esse remédio antiviral fabricado contra a gripe aviária. Nada. Parece que o Laboratório responsável por sua fabricação resolveu abastecer os locais que realmente interessam, ou seja, o Hemisfério Norte.

Mas, paciência...uma vida sem stress, mais pacata e tranqüila, com melhor cuidado na alimentação e prevenção de doenças poderia compensar a falta do tal Tamiflu.

O apartamento foi vendido com facilidade, assim como foi simples vender o Honda Civic de Paulo. Com dinheiro no banco, das vendas e de seu patrimônio amealhado em muitos anos de atividade brilhante e lícita, decidiram que seria melhor mantê-lo por ali mesmo e viver com os seus rendimentos.

Chega de neurose de contaminação nos elevadores do prédio, ou na escolinha freqüentada por sua filha, halls de prédios, malls de shopping centers, supermercados, etc (impressionante como se troca doenças nesses locais).

A casa que escolheram era muito ampla, arejada, ensolarada. O terreno permitia que cultivassem uma horta. Mas nada de animais e, principalmente, de aves. Paulo e Márcia mantinham-se atualizados com notícias do mundo através da internet e da televisão, muito embora não acreditassem muito na última. A vida seria boa por ali e o vírus da gripe aviária não chegaria perto. Enquanto isso, procuravam por farmácias “on line” e pelo tal do Tamiflu.

As compras de gêneros alimentícios eram criteriosamente estudadas para potencializar as defesas e reduzir riscos. Horários, forma de contato com os vendedores, hábitos cada vez mais rígidos de higiene (especialmente manuseio de dinheiro) foram implantados.

Resolveram construir uma “porta anti-contaminação”. Ume espécie de câmara que antecedia a própria porta de casa. Ali eles recebiam uma névoa de um poderoso descontaminante viral e bacteriano. Deixavam suas roupas para tratamento e vestiam roupas já descontaminadas. Assim não havia como as novas doenças do século 21 chegar até eles.

Montaram um grande estúdio para instalar uma TV de plasma, que era sua janela para o mundo. A comunicação com todos era on line e Paulo continuava com sua atividade de marketeiro e professor universitário, através de teleconferência ou aulas previamente gravadas (essa última uma atividade que exercia por mero capricho, já que não dava dinheiro). Márcia continuava gerindo seus negócios (uma confecção e um café natureba na capital). O contato era virtual. Ah.... a tecnologia. Ela nos permite todas essas facilidades e nos enclausura atrás de portas e fortalezas.

Agora era apenas esperar que os pesquisadores conseguissem evitar a pandemia. Márcia comentou com Paulo que leu em algum lugar que todos os ecossistemas tem um equilíbrio muito tênue. Onde há o vírus, certamente está a cura, na forma de alguma planta, ser ou substância para isso. Seu receio era o de que, tal como o Ebola, o Sabiá e outras viroses terríveis, a Humanidade não pudesse encontrar o antídoto em razão do desaparecimento das espécies.
Conversavam sobre isso na sala, enquanto o Jornal Nacional, em Edição Extraordinária, anunciava um caso de gripe aviária em Brasília.

Daniel Bykoff, que procura viver a vida um dia depois do outro e que sabe que está mais do que na hora de mudarmos nossos paradigmas, caso contrário TAMIFLU !!!